Sextas do Saber
As Sextas do Saber são uma actividade de disseminação de conhecimento desenvolvida no âmbito do projecto DRESS. Trata-se de um conjunto de pequenos textos explicativos sobre peças de vestuário,
calçado, jóias e acessórios que eram comummente utilizados ao longo dos séculos XVI e XVII.
As Sextas do Saber são publicadas nas nossas redes sociais (Facebook e Instagram) todas as semanas,
permitindo-nos transmitir de forma simples e acessível a todos o conhecimento relacionado com o nosso trabalho e investigação. Cada publicação explica a peça e a sua função, contextualizando-a temporal, social e culturalmente, auxiliando-se de imagens que ilustrem os conteúdos. Sempre que possível, recorremos a exemplos existentes nas fontes escritas e visuais que estamos a analisar.
As chamadas agulhetas ou pontas eram um acessório decorativo, que podia ser utilizado de duas maneiras distintas: para prender peças do vestuário ou para enfeitar as extremidades dos vários tipos de cordões, fitas e laços que serviam para ajustar, atar, desatar e/ou ligar as peças de roupa. Eram feitas em metais e, nas peças mais requintadas, adornadas com pedras preciosas, pérolas e esmaltes. As pontas eram usadas aos pares e, apesar de haver algumas excepções, é assim que surgem na documentação, tanto na visual quanto na escrita. Nestas últimas, costumam aparecer em números bastante significativos. A Infanta D. Beatriz (1504-1538), quando foi para Sabóia por ocasião do seu casamento com o Duque Carlos III, levou consigo mais de 450 pontas, e no inventário post-mortem do infante D. Duarte (1515-1540), seu irmão, registaram-se 697.
Agulhetas ou pontas
Origem não identificada, final do século XVI-início do século XVII.
© Castelo de Skokloster, Skokloster (Suécia)
Agulhetas
Sextas do Saber #15 | 31/01/2020
As chamadas agulhetas ou pontas eram um acessório decorativo, que podia ser utilizado de duas maneiras distintas: para prender peças do vestuário ou para enfeitar as extremidades dos vários tipos de cordões, fitas e laços que serviam para ajustar, atar, desatar e/ou ligar as peças de roupa. Eram feitas em metais e, nas peças mais requintadas, adornadas com pedras preciosas, pérolas e esmaltes. As pontas eram usadas aos pares e, apesar de haver algumas excepções, é assim que surgem na documentação, tanto na visual quanto na escrita. Nestas últimas, costumam aparecer em números bastante significativos. A Infanta D. Beatriz (1504-1538), quando foi para Sabóia por ocasião do seu casamento com o Duque Carlos III, levou consigo mais de 450 pontas, e no inventário post-mortem do infante D. Duarte (1515-1540), seu irmão, registaram-se 697.
Andreia Fontenete Louro
Agulhetas ou pontas
Origem não identificada, final do século XVI-início do século XVII
© Castelo de Skokloster, Skokloster (Suécia) (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Tv%C3%A5_spiralslipade_kl%C3%A4ppar_eller_%22n%C3%A4bbar%22_fr%C3%A5n_1500_eller_1600_talet_-_Skoklosters_slott_-_92305.tif)
Alfinete
Sextas do Saber #22 | 20/03/2020
O alfinete é uma haste de dimensões e funções variadas, que possui uma ponta aguda numa das extremidades e uma cabeça na outra. Os alfinetes eram acessórios fundamentais no século XVI, uma vez que serviam para unir quase todo o tipo de peças de roupa do quotidiano quinhentista. Eram utilizados para unir e fechar peças de vestuário, para segurar as coberturas de cabeça, os pendentes, amuletos e elementos decorativos em tecido nos trajes, ou para cingir as mortalhas aos corpos antes das cerimónias de inumação. Os alfinetes eram fabricados manualmente por artesãos reunidos em agremiações profissionais (guildas), e sem grandes cuidados decorativos, já que na realidade a maior parte destes utensílios não era feita para ser vista.
Carla Alferes Pinto
Alfinete, século XVII
Objecto recolhido em escavação
© Mosteiro de Santa Clara-a-Velha / Direção Regional de Cultura do Centro, Coimbra
Amuleto
Sextas do Saber #21 | 13/03/2020
Os amuletos são objectos aos quais os indivíduos e/ou as sociedades atribuem, em determinados momentos, propriedades protectoras e curativas, e que são magicamente concedidas aos seus proprietários. Estes objectos são feitos de diferentes materiais, normalmente de origem animal ou mineral, e eram utilizados como acessórios no período moderno, pendurados aos pescoços, em cordões à volta do tronco ou nas cintas. O poder mágico dos amuletos derivava de uma combinação de vários aspectos, tais como a forma, a cor ou material de que era feito, os motivos decorativos e as inscrições, ou as palavras proferidas sobre, e as práticas desenvolvidas em torno destes acessórios. Apesar da estrita regulação religiosa e moral exercida pela Igreja católica, a superstição e uso dos amuletos era tolerada e comum a toda a sociedade. O coral (concreção calcária e ramosa) e o azeviche (carbono fóssil de origem vegetal) eram dos materiais milagrosos mais utilizados na Península Ibérica.
Carla Alferes Pinto
Amuletos e crucifixo
Juan Pantoja de la Cruz, A Infanta Ana de Áustria (pormenor), 1602
© Convento das Descalças Reais, Madrid (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Juan_Pantoja_de_la_Cruz_020.jpg)
Armadura
Sextas do Saber #32 | 29/05/2020
As armaduras, nome comummente dado às armas defensivas, foram feitas para protecção física dos guerreiros e para espelhar uma imagem de honra e estatuto do seu utilizador. No período moderno assistiu a um amalgamar das modas do vestuário com a forma das armaduras, conforme foi sintetizado por Isidoro de Almeida – soldado, tratadista militar e arquitecto – em 1573, ao escrever: “as armas, para serem bem feitas, hão-de seguir a ordem dos vestidos, e os vestidos a das armas”. É na forma e proporção das armaduras que vemos reflectidas, com maior acuidade, as oscilações de gosto no vestir durante a segunda metade do século XVI. A reprodução das formas do pelote e/ou do gibão no metal do “cossolete” – estrutura que protege o tronco –, as mangas justas, bem como a utilização de faixas decorativas verticais, motivo que a partir dos anos 50 do Cinquecento se vulgarizou como elemento decorativo estruturante nas peças de armaria mais refinadas, são exemplos disso.
Luís Costa e Sousa
Projecto FCT “De Re Militar, da escrita da guerra à imagem do campo
de batalha no espaço português (1521-1621)” (PTDC/ART-HIS/32459/2017)
Armadura
Armadura de George Clifford (1558-1605), 3.º Conde de Cumberland (pormenor), 1586
© The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Arrecadas
Sextas do Saber #35 | 19/06/2020
As arrecadas são brincos com forma circular, mais ou menos regular. Rafael Bluteau no “Vocabulário” remete o uso do vocábulo para a Bíblia e o significado para o verbo arrecadar, isto é, guardar, por serem “os adornos que as mulheres com mais curiosidades arrecadam” (1712, p. 553). Ainda que se mantenha imprecisa a origem da palavra, ela surge com frequência nos inventários do século XVI e a sua importância no conjunto da ourivesaria portuguesa é relevante: por um lado, serve também para designar os brincos redondos em ouro produzidos pelas sociedades pré-históricas que dominavam a tecnologia dos metais e, por outro, é perpetuada pela produção de variantes regionais, entre as quais, as conhecidas arrecadas de Viana do Castelo. Hoje em dia as arrecadas tradicionais são fabricadas em ouro, recorrendo à técnica da filigrana, mas no período moderno incorporavam esmaltes e aljôfar (pérolas miúdas), revelando uma possível influência de gosto oriental nas formas e colorido da composição.
Carla Alferes Pinto
Arrecadas (dois pares)
Ouro, esmaltes e aljôfar, segunda metade do século XVII
© Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
Averdugado
Sextas do Saber #13 | 17/01/2020
O averdugado era uma estrutura para uso feminino, feita a partir de arcos concêntricos, de madeira ou metal, que eram forrados e montados, formando uma espécie de saia. Vestia-se por cima da camisa e por baixo das saias exteriores e vestidos. O averdugado era duro e rígido, conferindo às silhuetas femininas uma forma cónica. Serviam para manter as múltiplas saias afastadas das pernas das senhoras, para que não tropeçassem nelas, e enfatizar e exagerar as formas do corpo feminino, pelo facto de simular ancas muito largas. De provável origem espanhola, deu origem a outras estruturas como o guarda-infante, as anquinhas ou as crinolinas. Os registos mais antigos de uso do averdugado datam do reinado de D. Joana de Portugal (1439-1475), filha do rei D. Duarte e de D. Leonor de Aragão, rainha de Castela por casamento com Henrique IV.
Andreia Fontenete Louro
Averdugado
Autor desconhecido, “Der Spanichs Dantz. Baile español” (pormenor) in Códice de Trajes (fl. 3), século XVI
© Biblioteca Nacional de Espanha, Madrid
Borzeguins
Sextas do Saber #18 | 21/02/2020
O borzeguim era um tipo de botim ajustado que cobria parte da perna, por vezes chegando ao joelho, podendo ou não ser atado à frente ou de lado, muito comum entre os séculos XIV e XVII. Eram feitos em materiais flexíveis, como o couro e tecidos fortes, em cores variadas, e por vezes com cortes e aplicações. Os borzeguins eram usados por diferentes membros dos vários grupos sociais, pelo que era a qualidade do material (p.e., o uso de veludo ou da seda), a perfeição da confecção e o tipo de aplicações, que tornava um par distinto de outro.
Carla Alferes Pinto
Borzeguins
André Reinoso, São Francisco Xavier despedindo-se de D. João III antes da viagem para a Índia (pormenor), c. 1619
© Igreja de São Roque, Lisboa (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Andr%C3%A9_Reinoso_D._Jo%C3%A3o_III.jpg)
Braguilha
Sextas do Saber #14 | 24/01/2020
A braguilha era uma peça de vestuário utilizada no período moderno que consistia numa bolsa presa às calças masculinas e servia para cobrir os órgãos sexuais. Ao longo do tempo, várias das peças de roupa que vestiam o tronco masculino foram-se encurtando, subindo até meio das ancas, pelo que houve necessidade de cobrir esta parte do corpo. A braguilha prendia-se às calças e ao gibão por meio de agulhetas, botões ou outros acessórios, sendo por vezes acolchoada. Na época medieval as formas da braguilha eram simples, mas no século XVI tornaram-se mais elaboradas e exageradas, adoptando por vezes a forma do próprio pénis, e tornando-se símbolo da virilidade e do exercício do poder dos homens.
Carla Alferes Pinto
Braguilha de armadura
Kunz Lochner, Armadura do imperador Fernando I (1503–1564) (pormenor), Nuremberga, 1549
© Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
(https://www.metmuseum.org/art/collection/search/23944)
Burel
Sextas do Saber #34 | 12/06/2020
O burel é um pano grosso e áspero tecido em lã, e de cor esbranquiçada (quando não tingida), castanha ou preta. Para a sua manufactura procedia-se à remoção da lã da ovelha (velo), que depois era lavada, cardada (desenredar as fibras têxteis) e fiada, através do processo de torção (fazendo uso da roca e do fuso), para a tornar em fio, e proceder ao seu enrolamento em novelo. Depois de torcida, a lã passava para a urdição (disposição dos fios na teia para fazer a xerga) e posteriormente para o pisão/batano, onde era pisoado (lavagem) e caldeado (deitar água quente no tecido). O burel é dos tecidos mais antigos fabricados em Portugal (século XII) e no século XVIII o melhor burel do Reino era produzido em São Mamede da Parada do Monte, em Valadares. As particularidades deste tecido obrigavam à existência de artesãos especializados no seu fabrico (tecelões de burel) e manuseamento (alfaiates de burel). No entanto, a sua baixa qualidade e preço tornavam-no acessível a todas as camadas da população. Este era utilizado em cobertas e no vestuário da população mais pobre, mas era também de forma generalizada usado no vestuário de luto (o branco era a cor do luto até finais do século XV), sendo muitas vezes deixado em testamento ou usado como forma de pagamento de salários. Como diz o provérbio: “Mais vale palmo de pano, que pedaço de burel”.
Luís Serrão Gil
Burel castanho (hábito franciscano)
Vasco Fernandes, São Francisco (pormenor), 1510-1530
© Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
Calças
Sextas do Saber #4 | 25/10/2019
As calças (também chamadas de calças soladas) eram uma peça de roupa masculina, e causaram uma verdadeira revolução no modo de trajar aquando do seu surgimento, por volta do século XIV. Eram muito justas, um pouco com os actuais collants ou leggings, proporcionando ao corpo masculino uma grande liberdade de movimentos. Hoje em dia, as calças possuem uma faixa de tecido que envolve todo o baixo-ventre e o traseiro, dando a volta ao corpo, mas na época tal não acontecia. As pernas das calças eram independentes e vestiam-se, por isso, separadamente. Para que não caíssem nem se deslocassem nas coxas, prendiam-se à cintura, com cordões, e a outras peças de vestuário, como o gibão, com acessórios a que se dava o nome de agulhetas ou atacas.
Andreia Fontenete Louro
Calças
Iluminura de As Horas de Catarina de Clèves (pormenor), ca. 1435-60
© The Morgan Library & Museum, Nova Iorque (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Chausses_1440_Cleeves.jpg)
Camafeu
Sextas do Saber #23 | 27/03/2020
O camafeu é uma técnica de gravura em pedras semi-preciosas, translúcidas a opacas, em que o desenho sobressai de um fundo de cor contrastante. As gemas, como a ágata, a cornalina ou o ónix, eram escolhidas pelo seu grau de dureza já que o camafeu era cinzelado camada a camada, explorando as diferentes cores da matéria e permitindo uma escala minuciosa no registo dos pormenores do desenho. Eram por isso muito apreciados desde pelo menos o século VIII a.C. na Grécia, e eram utilizados em jóias, vasos ou pendentes. Com o tempo, surgiram camafeus noutros materiais, como conchas e vidro. Os camafeus foram sendo recuperados em diferentes períodos históricos, designadamente durante o Renascimento, altura em que se associou a técnica e os motivos gregos e romanos clássicos com iconografia cristã e, também, mundana, como é visível nos retratos. Eram muito valorizados e colecionados, funcionando por vezes como símbolos de poder dinástico, montados em pequenas jóias, como objectos de devoção particular ou de divertimento.
Carla Alferes Pinto
Camafeu com representação de rei africano não identificado, c. 1550-1600
© Bibliothèque nationale de France: Cabinet des Médailles, Paris (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cameo_African_king_CdM_Paris_Babelon593.jpg)
Camisa
Sextas do Saber #2 | 11/10/2019
A camisa, vestida sobre a pele, foi a primeira peça moderna das chamadas “roupas de baixo”. Era comum a ambos os sexos e a todos os estratos sociais, e era usada em quase toda a Europa. De provável origem islâmica, a camisa tinha forma de uma túnica, chegando quase sempre aos joelhos, e podia ser fabricada em vários tecidos, normalmente linho branco, com corte e formas simples, apresentando por vezes motivos decorativos ou bordados no colarinho e nas mangas. A qualidade do tecido e da confecção, distinguia o nível socioeconómico de quem a utilizava. Numa época em que o corpo nu quase nunca era visto, a camisa funcionava como uma segunda pele, sendo sempre a última peça de roupa a ser despida e a primeira a ser vestida, como atestam alguns relatos quinhentistas.
Andreia Fontenete Louro
Camisa
Itália, final do século XVI
© Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
(https://www.metmuseum.org/art/collection/search/83861)
Capa
Sextas do Saber #7 | 15/11/2019
A capa era uma peça de roupa usada pelos homens aristocratas. No Portugal de Quinhentos, podia ser utilizada de forma tradicional ou “à espanhola”, expressão empregue nas fontes documentais escritas, que caracterizava a cobertura de apenas um dos ombros, segundo a interpretação de Carmen Bernis Madrazo. As capas eram usadas para protecção,
mas aquelas feitas em tecidos caros, eram sobretudo símbolos de riqueza e estatuto social.
Andreia Fontenete Louro
Capa
Cetim e bordado, 1580-1600
© Victoria&Albert Museum, Londres
(http://collections.vam.ac.uk/item/O77731/cloak-unknown/)
Chapim
Sextas do Saber #11 | 13/12/2019
Os chapins eram um tipo de calçado. A parte do chapim que envolvia o pé era feita com tecidos ou couros ricos, sendo depois decorada com bordados, pedras e metais preciosos, e outras aplicações. As solas eram em plataforma, geralmente em madeira, metal ou cortiça, podendo atingir dezenas de centímetros de altura. Os chapins tinham uma dupla função: utilitária, já que impediam que os vestidos das senhoras se sujassem nos pavimentos molhados ou lamacentos; e simbólica, na medida em que a altura dos sapatos traduzia o estatuto social de quem os utilizava. Assim, não raras vezes, tinham que se socorrer dos seus servidores para calçar e caminhar em cima de chapins. O compositor e mestre de dança italiano Fabritio Caroso explicava às senhoras como andar e dançar convenientemente com os chapins num dos capítulos do tratado Nobilità di Dame (1600). Apesar de desconfortáveis e de serem, até, motivo de escárnio, os chapins estiveram em voga até ao século XVII.
Andreia Fontenete Louro
Chapim em seda e metal
Itália, ca. 1590-1610
© Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Cinta
Sextas do Saber #19 | 28/02/2020
Cinta era o nome dado a um acessório que servia para cingir as peças de roupa soltas (para permitir a liberdade de movimentos) ou prender e segurar o vestuário, e usava-se à volta das ancas ou da cintura. As palavras cinta e cinto significavam o mesmo, surgindo na documentação, bem como variantes – cordão, cabos de cingidouro, p.e. – que remetem para os materiais de que eram feitos: têxteis, couro, metal. As cintas eram cerradas através de fivelas, fechos e mecanismos diversificados, e por vezes, sustentadas por ganchos presos às peças de roupa. As cintas, que começaram por ser acessórios comuns a diversos grupos sociais e profissionais utilizadas por homens e mulheres, foram, ao longo do período medieval, sendo adornadas por materiais cada vez mais extravagantes e caros, como as pedras preciosas, tornando-se objectos de distinção social. A cinta, que servia também para pendurar objectos do quotidiano face à ausência de bolsos nas peças de roupa, foi-se transformando num acessório de adorno sendo, na sua função de segurar, definitivamente substituída por cinto.
Andreia Fontenete Louro
Cinta em tecido, prata dourada e esmalte
Itália, c. 1350-1400
© Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Coral
Sextas do Saber #25 | 10/04/2020
O coral são animais aquáticos que segregam um esqueleto externo em calcário ou em matéria orgânica e que podem formar colónias coloridas e recifes. Conhecido desde a Antiguidade, era muito apreciado pelas suas propriedades mágicas, curativas e plásticas, sendo empregado em diferentes tipos de acessórios para vestir e usar no quotidiano. No período moderno o coral vermelho do Mediterrâneo era o mais utilizado na Europa e, apesar de ser colhido nas costas sul do continente, era raro e caro. A sua exploração continuada durante séculos levou à quase destruição das colónias, hoje em dia alvo de medidas de conservação e protecção. O alto valor que adquiria no mercado levou a que o coral proveniente da Ásia figurasse na lista de produtos que os portugueses traziam nas cargas das naus a partir de 1498.
Carla Alferes Pinto
Contas em coral
Lavínia Fontana, Retrato de família (pormenor), 1598.
© Pinacoteca di Brera, Milão
(https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lavinia_Fontana_-_Family_Portrait_-_WGA7980.jpg)
Corpinho
Sextas do Saber #30 | 15/05/2020
As referências a roupa interior feminina na documentação do período moderno são muito escassas e as mulheres quando representadas em situações íntimas surgem quase sempre com uma camisa comprida. As descobertas arqueológicas têm vindo a mostrar que as formas e usos da roupa íntima se mantiveram nos últimos 500 anos, mas o corpinho (ou corpesito) foi evoluindo ao longo do tempo, complexificando funções e diversificando as formas até se transformar em espartilho. Os corpinhos podiam ser curtos ou compridos, e começaram por ser peças interiores que protegiam o peito e a cintura, com ou sem mangas aplicadas. Ao longo do final da Idade Média e período moderno foram usados para definir uma silhueta, achatando o peito e/ou adelgaçando a cintura – tornando-se mais rígidos e atados, em altura, à frente ou atrás –, contribuindo assim para definir e alterar as formas que ditavam a moda do torso feminino.
Carla Alferes Pinto
Corpinho, 1603
Usado na efígie fúnebre da rainha Isabel I de Inglaterra
© Abadia de Westminster, Londres
Dedal
Sextas do Saber #27 | 24/04/2020
O dedal é uma estrutura em forma de copo para utilizar nos dedos durante a costura, protegendo e servindo para empurrar a agulha. Os dedais mais comuns são os que têm a parte superior fechada, mas os primeiros, provavelmente originários da China e desenvolvidos durante a dinastia Han (206a.C.–220d.C.), eram abertos e assemelhavam-se a um anel. A Rota da Seda, primeiro, e o comércio das caravanas muçulmanas no Médio Oriente e Mediterrâneo depois, espalharam os dedais pela Ásia e Europa. Os dedais, objectos essencialmente funcionais, apresentam em alguns exemplares motivos e temas decorativos elaborados, a utilização de metais preciosos e o recurso a materiais nobres na sua feitura, reproduzindo aspectos da cultura visual do período moderno e servindo como objectos de ostentação.
Carla Alferes Pinto
Dedal de casamento de Sara Reigersberg
Prata, século XVI
© Zeeuws Museum, Middelburg (Holanda)
Entretalhos
Sextas do Saber #3 | 18/10/2019
Os entretalhos eram recortes que se faziam em distintas partes das peças de roupa. Em alguns casos, deixavam apenas ver os forros sumptuosos, noutros criavam verdadeiros padrões decorativos, sob os quais se via e se podia puxar a roupa interior de cor branca: a camisa, sobretudo. Os entretalhos marcaram visualmente a moda do início do século XVI e, para além de mostrarem a qualidade e as diferentes técnicas utilizadas na confecção das camisas e dos enfeites, potenciavam o contraste cromático, muito apreciado pela aristocracia.
Andreia Fontenete Louro
Entretalhos em mangas
Joos van Cleve, Retrato de D. Leonor de Áustria (pormenor), 1530
© Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
(http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=251314)
Firmal
Sextas do Saber #6 | 08/11/2019
O firmal era um acessório de uso relativamente comum entre os membros dos grupos aristocrático e eclesiástico. Tinha uma dupla função, na medida em que, além de ser decorativo, servia para prender. Assim, era usado para unir os golpeados do vestuário ou as duas partes da mesma peça de roupa; para prender as jóias à roupa; ou, ainda, para fechar uma peça de vestuário. Podia ter várias formas e ser feito em vários materiais, como tecido, metais e pedras preciosas, adquirindo, neste caso, a configuração de uma verdadeira jóia. A existência dos firmais está atestada desde o Império Romano, sendo que estes se desenvolveram a partir das fivelas e das fíbulas, um tipo de acessório semelhante aos alfinetes de peito.
Andreia Fontenete Louro
Firmal (frente, em cima; reverso, em baixo)
Portugal, ca. 1650-1700
© Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
(http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=252851)
Fraldilha
Sextas do Saber #26 | 17/04/2020
A fraldilha era uma peça de roupa interior formada por um pedaço de pano preso à volta da zona genital, em jeito de fralda, feito de lã muito fina, algodão, linho ou outros tecidos resistentes. Na documentação portuguesa surge também o termo ceroula, designadamente as “ceroulas da holanda”, devido à origem do tecido. O seu uso era transversal a toda a sociedade. Na pintura ocorre representada, sobretudo, quando vestida por homens, ainda que as mulheres também as usassem, quer como peça de vestir semelhante à masculina (como se percebe em representações medievais) quer porque fraldilha (ou fraldelim, brial, guardapé, etc.) era também o nome dado a um tipo de anágua, isto é, uma espécie de roupa interior em forma de saiote que as mulheres usavam por baixo das vestes exteriores.
Carla Alferes Pinto
Fraldilha
Nuno Gonçalves, São Vicente atado à coluna (pormenor), 1450-1490
© Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
Gibão
Sextas do Saber #10 | 06/12/2019
O gibão masculino teve origem, crê-se, na cota de algodão utilizada pelos soldados debaixo da armadura ou da cota de malha. No século XVI, sendo já uma peça de roupa comum no vestuário civil, utilizava-se forrado e enchumaçado, de modo a dar volume à zona do peito. Além disso, costumava ser aberto à frente, fechando-se com botões ou outros adereços, e apertado na cintura, caindo sobre as ancas. Poderia ter gola e/ou mangas, sendo que as últimas apresentavam uma vasta gama de modelos. Nas alturas mais quentes do ano, bem como em festas e cerimónias, os gibões utilizavam-se sem quaisquer outras vestes por cima. Nestes casos podiam ser confeccionados em tecidos sofisticados, com bordados ricos e com as mais variadas tipologias de aplicações.
Andreia Fontenete Louro
Gibão de esgrima
Europa, c. 1580
© The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque (https://www.metmuseum.org/art/collection/search/23241)
Gorjeira
Sextas do Saber #12 | 10/01/2020
A gorjeira era um tipo de gola que foi muito utilizada na Europa durante os séculos XVI e XVII, tanto por homens como por mulheres e crianças. A gorjeira evoluiu a partir das golas das camisas, crescendo e avolumando-se em torno do pescoço. Apesar das várias configurações existentes, a gorjeira consistia, essencialmente, num conjunto de faixas rectas de tecido, unidas em forma de pregas e fixadas a um acessório têxtil que dava a volta ao pescoço. Podia ser decorada com bordados, penas ou rendas, sendo depois moldada com goma (uma substância viscosa de origem vegetal que conferia rigidez). Com o tempo, acabaria por se transformar num símbolo de riqueza e de estatuto social, uma vez que estava associada a uma postura altiva e era sobretudo utilizada por membros da elite social e económica.
Andreia Fontenete Louro
Gorjeira
Frans Pourbus, o Novo, Isabel Clara Eugénia de Espanha, Arquiduquesa da Áustria (pormenor), século XVII
© Groeningemuseum, Bruges
(https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Isabella_Clara_Eugenia_of_Spain_-_Frans_Pourbus_II.jpg)
Hábito
Sextas do Saber #20 | 06/03/2020
O hábito designa o estado e/ou aparência do corpo ou de uma coisa. No período moderno era comummente utilizado para nomear as vestes talares (isto é, usadas por clérigos, magistrados e académicos) por serem compridas, semelhantes a uma túnica, possuindo por isso um conjunto de características e acessórios que permitiam uma identificação rápida de quem os envergava. Designava também a maneira como algumas mulheres da aristocracia se vestiam na viuvez, por adoptarem trajos semelhantes aos das freiras confessas. Foi este o caso de D. Isabel de Bragança (1511/12–1576), que se vestia com o hábito de viúva depois da morte de D. Duarte em 1540 e antes de professar no ramo feminino da Ordem de São Jerónimo.
Carla Alferes Pinto
Hábito com insígnia de cavaleiro da Ordem de Cristo
Autor desconhecido, Retrato de cavaleiro da Ordem de Cristo (pormenor), c. 1626-1650
© Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
Lenço
Sextas do Saber #31 | 22/05/2020
O lenço é uma peça de roupa quadrada, originalmente utilizada na higiene diária (p.e., assoar o nariz, secar o suor do rosto ou das mãos ou proteger a cabeça do sol) e como signo de afirmação através da moda. As representações mais antigas de lenços remontam ao Egipto, cerca de 2000 a.C., mas as suas funções ancestrais caíram em desuso ao longo do século XX. O lenço reinventou-se entretanto, tornando-se maior, tingindo-se de cor e decoração de padrões, passando a ser sobretudo usado à volta do pescoço e como acessório. No período moderno os lenços serviam como símbolo de estatuto social e cultural, representados quase sempre em branco, mas usando tecidos lustrosos e brilhantes, com as extremidades decoradas com rendas elaboradas e passamanaria sumptuosa, recorrendo a fios de seda, ouro e prata.
Carla Alferes Pinto
Lenço
António Moro, D. Catarina, rainha de Portugal (pormenor), c. 1552
© Museu do Prado, Madrid
Leque
Sextas do Saber #9 | 29/11/2019
O leque, objecto ainda comum nos nossos dias, é constituído por múltiplas varetas, interligadas por papel ou tecido, abrindo-se em semi-círculo. A sua função primordial era abrandar o calor em ambientes quentes ou abafados. O objecto terá recebido o nome das Ilhas Léquias (Ilhas Ryukyu, no Sul do Japão) e foi trazido para a Europa pelos portugueses no século XVI, onde perdeu a função cerimonial e se tornou um acessório de uso pessoal indispensável no traje feminino. Verdadeiro símbolo de luxo e elegância, foi a partir do século XVII um veículo de comunicação cortesã entre os sexos, através do desenvolvimento de uma linguagem secreta e simbólica partilhada por ambos.
Andreia Fontenete Louro
Leque
António Moro, Infanta D. Maria de Portugal (pormenor), c. 1552-1553
© Convento de Las Descalzas Reales, Madrid
(https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Maria_von_Portugal,_Anthonis_Mor.jpg)
Libré
Sextas do Saber #17 | 14/02/2020
A libré, um vocábulo de origem francesa – “livrée” –, era o conjunto de peças de roupa equivalente ao que hoje chamamos de farda ou uniforme. Nas épocas medieval e moderna as librés eram dadas pelos reis, príncipes, aristocratas e membros de outros grupos sociais aos seus servidores. A libré simbolizava as prerrogativas destes últimos, concedidas pelos seus senhores, e servia para distingui-los de outros servidores. Por norma, as cores desta indumentária eram as cores heráldicas das casas senhoriais, estabelecendo inequivocamente o vínculo de relação senhor/servidor. Conhece-se pouco acerca da utilização das librés em Portugal, mas sabemos que em 1537 por ocasião do casamento de D. Isabel o seu irmão, D. Teodósio I, 5.º duque de Bragança, concedeu mais de 500 librés. Os servidores receberam gibões, calças, capas, pelotes, gorras, sapatos, entre várias outras peças de roupa e acessórios, conforme o cargo que ocupavam. As cores predominantes seguiam as regras heráldicas de D. Teodósio, azul e amarelo, e de D. Isabel, branco e alaranjado.
Andreia Fontenete Louro
Librés dos cortesãos
Alonso Sánchez Coello, O banquete real (O rei Filipe II de Espanha à mesa com a família e cortesãos) (pormenor), 1579
© Museu Nacional de Varsóvia, Varsóvia (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:S%C3%A1nchez_Coello_Royal_feast.jpg)
Luvas
Sextas do Saber #5 | 01/11/2019
As luvas são um acessório que, ontem como hoje, se utiliza para calçar as mãos e cuja função primordial é aquecê-las e protegê-las. No século XVI eram também um atributo de distinção aristocrática, porque usadas por quem não precisava das mãos para trabalhar. As luvas, feitas em pele de animais ou em tecidos luxuosos, eram tanto mais sumptuosas quanto mais bordadas ou nobilitadas com aplicações de metais e pedras preciosas fossem. Quando perfumadas, eram ainda mais apreciadas, porque se associava o cheiro agradável que se soltava do movimento das mãos dentro das luvas, a uma boa higiene e à sanidade, já que o perfume afastava os maus odores da doença.
Andreia Fontenete Louro
Par de luvas
Inglaterra, século XVI
© Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
(https://www.metmuseum.org/art/collection/search/222292)
Medalhas de devoção
Sextas do Saber #36 | 26/06/2020
As medalhas de devoção ou piedade eram objectos com simbologia religiosa que tiveram origem nos amuletos metálicos pagãos. Eram utilizadas como parte integrante dos terços e rosários – exprimindo cultos e devoções privados – e das alfaias fúnebres, sendo também adquiridas como recordação das viagens de peregrinação aos lugares sagrados. Os diferentes oragos representados e os seus símbolos tornavam-se numa espécie de talismã que protegiam e intercediam pelo seu possuidor. As medalhas devocionais encontram-se espalhadas por toda a Europa cristã e, a partir do século XV, nas terras de além-mar, onde desempenharam um papel importante no processo de evangelização ou foram levadas como instrumento de protecção dos soldados e dos marinheiros, conforme atesta o ditado: “Se queres aprender a orar, entra no mar”. Para além de amuletos de protecção, estes objectos serviam de adorno pessoal, utilizadas em redor do pescoço, pregadas à roupa ou nos chapéus, dentro de bolsas. Fabricadas a partir do século XVI por cunhagem, o que permitiu uma reprodução fácil, rápida e uma distribuição massificada, eram produzidas em diferentes matérias-primas – ouro, prata, liga de cobre ou de estanho, bronze, chumbo, etc. – e com distintas formas e feitios. Muitas medalhas tinham origem na Santa Sé, um dos principais centros produtores deste tipo de objectos que as marcava com a inscrição ROMA, servindo como meio eficaz de propaganda religiosa.
Carla Alferes Pinto
Medalha devocional
Sofonisba Anguissola, Retrato de infante espanhol (provavelmente Filipe II) (pormenor), c. 1573
© Gift of Anne R. and Amy Putnam / Bridgeman Images
San Diego Museum of Art, Califórnia (EUA)
(http://collection.sdmart.org/Obj852?sid=1287&x=8419&port=2851)
Moldes
Sextas do Saber #1 | 04/10/2019
Os moldes de roupa são a base da confecção do vestuário, representando o primeiro passo deste processo. Antes de mais, é necessário tirar as medidas à pessoa a quem se destina a peça de roupa. De seguida, essas medidas são transformadas num desenho, originando o molde, que pode ser produzido para qualquer parte do corpo. A funcionalidade e rigor do processo fez com que pouco tenha mudado desde o século XVI. Assim, os moldes, normalmente em papel ou cartão, continuam a ser feitos da mesma maneira – muitas vezes destinados à produção em grande escala –, continuando a ser traçados a giz pelo alfaiate e pela modista no tecido que será cortado e costurado.
Andreia Fontenete Louro
Moldes
Juan de Alcega, Libro de Geometria, Pratica, y Traça [...], 1580
© Biblioteca Nacional de Espanha, Madrid
Passadores em T
Sextas do Saber #38 | 10/07/2020
Os passadores em T, como foram chamados pela primeira vez em 1955-56, por Pedro de Palol, são utilizados como elemento de ligação e fixação do vestuário funcionando como fecho (fivela) de cinto, estando directamente ligado ao couro ou por meio de outra peça metálica. Ainda hoje subsistem dúvidas quanto à sua função e cronologia, apesar de alguns autores recuarem o seu surgimento e utilização ao período Ibero-romano e outros, com mais certeza, ao século XV e XVI. Porém, é comummente aceite na bibliografia que se trata de uma peça de tradição ibérica e, por isso, surge também em contextos arqueológicos nos territórios alcançados nos alvores da expansão. Os passadores em T eram peças metálicas obtidas a partir de molde e por vezes decoradas com cinzel. Pela qualidade que estes objectos genericamente apresentam e pelo tipo de representações pictóricas em que foram identificados, apesar de parcas, parece tratar-se de peças do vestuário masculino e socialmente distintivas.
Luís Serrão Gil
Passador em T
Trabalhos arqueológicos na Praça da Figueira, 2000
© Centro de Arqueologia de Lisboa (PF.00/R9-10[1316])
(in Silva, Rodrigo Banha. “Fecho de cinturão ‘em T’.” Lisboa 1415 Ceuta. Historia de duas cidades/ Historia de dos cidades, ed. André Teixeira, F. Villada Paredes e Rodrigo Banha da Silva (Ceuta/Lisboa: Ciudad Autonoma–Consejería de Educación y Cultura/Câmara Municipal de Lisboa–Direção Municipal de Cultura/Departamento de Património Cultural, 2015): 98).
Peles
Sextas do Saber #8 | 22/11/2019
Nas épocas medieval e moderna, as peles de animais eram muito utilizadas para forrar o vestuário ou decorá-lo externamente. Consideradas uma matéria-prima luxuosa, as peles eram um produto tabelado, muitas vezes importado, e que, por vezes, podia ser tingido. Em Portugal, as pelas mais comuns eram as de arminho, fuinha, gineta, lebre, lontra, marta e tourão. Quando a Infanta D. Beatriz de Portugal (1504-1538) casou em 1521 com o duque de Sabóia, Carlos III (1486-1553), levou 200 peças de peles de marta consigo. A caça excessiva e descontrolada deste animal para uso da sua pele em peças de vestuário de luxo levou à rápida extinção da espécie de território português, ocorrida ainda no século XVI.
Andreia Fontenete Louro
Forro e abas de pele
Alonso Sánchez Coello , Retrato do Príncipe D. Carlos das Astúrias (pormenor), ca. 1555-1559
© Museu do Prado, Madrid
(https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Don_Carlos_Spanien.jpg)
Pelote
Sextas do Saber #29 | 08/05/2020
O pelote masculino era uma espécie de sobreveste, semelhante ao que hoje chamamos de casaco, transversal a todos os grupos sociais e vestia-se por cima do gibão. Tal como noutras peças de vestuário, existiam diversas tipologias de pelote. Podia ou não ter mangas, abas, elementos decorativos, ser ou não ser acolchoado, usar-se aberto ou fechado no peito, e o seu comprimento variava. O pelote masculino sofreu algumas alterações entre as épocas medieval e moderna. De modo geral, na Idade Média o pelote possuía grandes cavas (que podiam chegar à cintura, deixando ver as vestes por baixo), não tinha mangas, era largo e atingia o joelho. No século XVI o pelote encurtou-se, ajustou-se ao corpo, tornou-se cintado e, por vezes, tinha mangas. Era confecionado numa grande variedade de materiais (diferentes tipo de têxteis, couro, etc.) e adornado com diversos elementos decorativos e materiais, de acordo com o estatuto de quem o envergava.
Andreia Fontenete Louro
Pelote vermelho em seda, algodão, linho e metal
Reino Unido, 1610-1625
© The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque (https://www.metmuseum.org/art/collection/search/771116)
Penas
Sextas do Saber #37 | 03/07/2020
As penas são as estruturas epidérmicas que revestem o corpo das aves. Ao longo do tempo têm sido usadas como enchimento de objectos de uso quotidiano doméstico e pessoal e, a partir do renascimento, como adornos e acessórios do traje, tornando-se símbolos de identidade social e/ou individual. A descrição e importação de aves dos continentes americano e asiático, consideradas exóticas e muito cobiçadas pela profusão e qualidade cromática da plumagem, levou à sua progressiva incorporação no trajar cortesão. Para além das cores extravagantes, as penas transportaram para a roupa a leveza, a sensualidade do movimento e a suave qualidade táctil das barbas que as formavam. Nas festas realizadas pelo baptizado do príncipe do Piemonte (1522), filho da Infanta D. Beatriz de Portugal, um dos membros da comitiva portuguesa chamara a atenção dos convivas pelo seu chapéu “de um tipo novo e inédito, embelezado com algumas penas de pássaros desconhecidas” nunca antes vistas no ducado de Sabóia.
Carla Alferes Pinto
Penas
Francisco de Holanda (atr.), Retrato da Infanta D. Beatriz, duquesa de Sabóia (?) (pormenor),
1.ª metade do século XVI
© Galleria Nazionale di Parma
Pomander
Sextas do Saber #33 | 05/06/2020
O pomander, cujo nome deriva de uma corruptela da expressão francesa “pomme d’ambre” (maça de âmbar), era uma das maneiras mais comuns de compor a “pomme de senteur” (maçãs de cheiro), isto é, uma bola em forma de maçã feita de substâncias odoríferas que por exalar um perfume agradável servia para disfarçar os odores corporais e como amuleto preventiva contra a pestilência. A bola de cheiros era guardada numa caixa de pequenas dimensões, que tinha também o nome de pomander, e que se usava ao pescoço ou preso à cinta através de uma cadeia. Para além das plantas aromáticas, as bolas de cheiro eram compostas por âmbar, almíscar, benjoim, cânfora, lavanda, cravinho e outras substâncias e óleos fragrantes. Os recipientes eram feitos em materiais diversificados, desde madeiras a metais preciosos, consoante o estatuto social de quem os usava. Nos exemplares mais sumptuosos, usava-se a prata e o ouro, decorados com pedras preciosas, e exibiam-se técnicas de ourivesaria exigentes e delicadas.
Carla Alferes Pinto
Pomander
Barthel Bruyn, o Jovem, Retrato de Senhora da família Slosgin de Colónia (pormenor), 1557
© The Metropolitan Museum, Nova Iorque
Punhos
Sextas do Saber #40 | 24/07/2020
Os punhos são os elementos do vestuário que contornam os pulsos e se encontram nas extremidades inferiores das mangas compridas de diferentes peças de roupa: camisas, vestidos, blusas, casacos. Quando não eram usados abertos e largos, os punhos das camisas eram fechados e amarrados por fitas e laços, muitas vezes escondidos, em torno do pulso. No século XVI, o pequeno folho assim criado, começou a ser visível por baixo dos gibões e pelotes dos homens e das manguinhas das mulheres, adquirindo uma função decorativa que rapidamente foi substituída por punhos removíveis feitos em rendas elaboradas e folhos estruturados e gomados (rufos). No período moderno, particularmente durante os séculos XVII e XVIII, a utilização de peças extravagantes em renda era uma marca de riqueza e estatuto social. Embora tenham perdido o estatuto extravagante, muitas vezes substituído pela presença dos botões de punho, os punhos, enquanto dobra ou camada adicional de tecido cosida à extremidade das mangas, servem para proteger a peça de roupa do desgaste e serem rapidamente substituídos, como ainda hoje se faz na alfaiataria masculina.
Carla Alferes Pinto
Punhos em renda
Agulha em fio de linho, Veneza, 1650-1700
© Victoria and Albert Museum, Londres
(http://collections.vam.ac.uk/item/O78892/pair-of-lace-unknown/)
Relógio
Sextas do Saber #39 | 17/07/2020
Os relógios são instrumentos que medem a passagem do tempo e são utilizados desde os tempos mais remotos. Todavia, o relógio enquanto dispositivo concebido para ser transportado por uma pessoa só foi desenvolvido no final do século XV-início do XVI em Itália e, antes do meio do século, o domínio do mecanismo já permitia a sua incorporação em jóias de pequeno porte e até anéis. Concebido em formas e para caixas variadas, os relógios eram de pequena dimensão e leves, de maneira a serem facilmente usados em correias à volta do pescoço, presos à roupa através de diferentes instrumentos com fechos, metais e pedras preciosas, ou incorporados em jóias. Na realidade, durante o período moderno, os relógios nem sempre tinham por função fornecer uma informação rigorosa sobre a hora do dia ou o passar do tempo, servindo sobretudo como adorno do vestuário e símbolos de estatuto social, financeiro e cultural de quem os usava. Os relógios de bolso surgiram mais tarde com o desenvolvimento dos coletes com bolsos, já em pleno século XVII, e só em 1868 surgiu o primeiro relógio de pulso, concebido para o sexo feminino e envolto em polémica de género até ser adoptado pelos homens já no século XX.
Carla Alferes Pinto
Peter Henlein, Relógio-pomander, 1530
© Walters Art Museum, Baltimore
Toucado
Sextas do Saber #24 | 03/04/2020
Na época moderna chamava-se toucado à maneira como as mulheres compunham e apresentavam a cabeça. Toucado ou toucar a cabeça implicava a maneira como o cabelo era penteado e apanhado, as diferentes formas de o cobrir e de o adornar. Entre estas últimas, encontravam-se os acessórios têxteis (como as coifas, os chapéus, as gorras ou os véus) e os vários adornos e jóias (como as fitas, as plumas, os firmais, as correntes, etc.). O toucado era complexo e sempre composto por um número considerável de elementos, cada qual com seu nome e função. Apesar de ser transversal a toda a sociedade, as mulheres da nobreza tinham a acesso a materiais e técnicas mais sumptuosas e qualificadas, que se multiplicavam em formas variadas e se alteravam com alguma regularidade, revelando o seu estatuto social, financeiro e cultural.
Carla Alferes Pinto
Coifa de linho bordado com fio de seda e de metal
Reino Unido, 1600-30
© Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Trançado
Sextas do Saber #28 | 01/05/2020
O trançado era um tipo de toucado, isto é, uma das maneiras de arranjar e apresentar os cabelos das mulheres durante o período moderno. A cabeça era coberta por um tipo de coifa em tecido ou fios de metal e os cabelos eram entrançados ou enrolados a partir da nuca, sendo depois decorados com fitas ou envolvidos por uma faixa de tecido que caía pelas costas. Na Península Ibérica os trançados estiveram muito em voga na primeira metade do século XVI. A documentação produzida na sequência do casamento do Infante D. Duarte e de D. Isabel de Bragança (1537) refere seis trançados: três utilizados pela noiva (um de rede e peças de ouro; outro em rede de fio de prata; e o terceiro em prata) e três usados por uma das suas irmãs, D. Joana de Bragança (dos quais, um em ouro e outro em prata). A pintura mostra-nos como o trançado era popular nas cidades-estado italianas na transição do século XV para o século XVI e a documentação informa-nos que era composto pelo trinzale (a coifa, rede ou pedaço de tecido que cobria a cabeça), mantido no lugar pela lenza (uma faixa de tecido com ou sem jóias presa à testa) e pela coazzone, a trança ou rabo-de-cavalo que era entrançado com fita.
Andreia Fontenete Louro
Trançado
Christoph Weiditz, “Tracht der vornehmen spanischen Frauen” (“Traje tradicional das
mulheres espanholas”) in Trachtenbuch (pormenores), 1530-1540, fls. 147-149
© Biblioteca do Germanisches Nationalmuseum, Nuremberga
Tricot
Sextas do Saber #16 | 07/02/2020
O tricot é uma técnica têxtil produzida com duas ou mais agulhas que prende o fio numa série de laços interconectados, de maneira a criar uma peça de vestuário acabada ou um outro tipo de tecido. O tricot terá origem no Norte de África e os vestígios mais antigos que se conhecem datam do Egipto copta (cerca do século XI). A entrada desta técnica na Europa terá sido feita pela Península Ibérica, onde se localizam, também, as mais antigas peças conhecidas no continente. As peças em tricot, largamente difundidas a partir do século XVI, permitiram uma maior flexibilidade na relação do vestuário com o corpo, particularmente expressa em peças como as calças e as meias de senhora; serviam também para aquecer e dar conforto, conforme se percebe pela quantidade e variedade de barretes, carapuços e outras coberturas de cabeça usadas por todos os grupos sociais.
Carla Alferes Pinto
Tricot com cinco agulhas
Tommaso da Modena, Retábulo (pormenor), anterior a 1349
© Pinacoteca Nazionale Bologna, Bolonha